quarta-feira, dezembro 06, 2006

Porque regravamos o ANTES DO FIM

Bom estava eu navegando quando me deparei com este texto abaixo do Carlos Vnadalo lendario vocalista do DORSAL ATLATICA explicando por que ele regravou o megaclassico do metal Brasileiro Antes do Fim. LEIAM SE SOUBEREM

Após um bom tempo sem atualizar o nosso ponto de encontro, tenho enfim uma boa notícia. Após insistentes pedidos do amigo Marcos Cardoso da Encore Records de São Paulo resolvi aceitar o desafio de regravar o nosso primeiro LP. O único disco da Dorsal que não havia sido lançado em CD, até hoje, era o emblemático Antes do Fim de 1986. Me dei conta que nesse exato ano de 2005, há duas décadas, o disco estava sendo composto e que agora estaria assoprando vinte velinhas. Isso me motivou em parte. Mas a maior motivação veio dessa caixa de e-mails e dos insistentes pedidos de pessoas de 15 anos e outras entre 30 e 35, que chegaram a nos assistir ao vivo. Essas pessoas me convenceram, ano após ano, que eu deveria preencher essa lacuna na nossa história. Me falavam de como o disco havia sido um evento indescritível em suas formações como fãs de rock, seja pesado ou punk. Me lembraram de como eu lutei por uma quase causa perdida: unir filosoficamente o punk e o metal em um só estilo, orgulhosamente brasileiro, cheio de contradições e de vontade de acertar. Mesmo que eu não quisesse (re)mexer no passado, existem coisas que estão além e acima de nós. Uma delas é a lealdade das pessoas que me apoia(ra)m, sinceramente, como artista e ser humano. Hoje todos compreendem que como artista eu necessito enfrentar novos desafios, por isso fundei duas bandas novas para me expressar de forma diferente. Muitos não entendiam que o diferente, não quer dizer cuspir no prato que comi. Para falar a verdade, não só comi, como ajudei a criar os alicerces da fãbrica. Quando comecei a tocar em 1981 o mundo e o Brasil eram muito diferentes. Nem pior nem melhor, apenas diferente. Quando fundei a Dorsal soube desde o início que estava fazendo algo novo, excitante e muito individual, particular, personalista, como quiserem chamar. Me motivava ser um Dom Quixote levantando uma bandeira sozinho, fazendo as pessoas acreditarem em tudo o que eu, sinceramente, acreditava: na união das diferenças, em um Brasil mais justo, em um underground forte mas nunca dissociado da nossa realidade social. Ser roqueiro era um ato político/religioso, descobri isso com o tempo, e acreditei nisso. Os anos 90 destruíram quase todo o sonho, que eu acreditava coletivo. Depois aprendi que era um sonho de quem sonha sozinho. As pessoas, que antes nos apoiavam, mudaram de lado, nos descartaram. O papo sócio-político havia envelhecido, assim como nós (e vocês também um dia. O sol nasce para todos). Tive que me retrair. Saber a hora do lobo sair novamente da toca. Os músicos da banda se voltaram contra meus ideais. Eu não poderia permitir que todos destruíssem lindos sonhos. Não era uma questão de poder, e sim de discernimento. Todo mundo sabe (ou pelo menos finge que sabe) que quanto mais consciente você fica, mais isolado você ficará. A consciência do sozinho unido ao coletivo espiritual é bem diferente do coletivo em uma festa. Que destruíssem os sonhos deles, tudo bem, mas nunca permitiria que destruíssem os meus. Por isso acabei com a Dorsal. Deixei que a poeira assentasse. Compus novas e melhores canções, todas livres, todas rock, todas cheias de vida e não de insatisfação e dor. Após cinco anos do término da banda pude então respirar em paz, e aceitar a tarefa de regravar o Antes do Fim, agora sim com a alma aliviada por ter feito a minha parte, de ter limpado o prato, de ter comido a comida que plantei. Quando aceitei a “missão” aceitei de bom grado, fiz com (muito) prazer. Nunca por obrigação. E antes que cogitem que meus projetos atuais não andam bem das pernas, nada mais distante da realidade, pois em julho de 2005 gravo o terceiro CD do Mustang. A Usina tem três trabalhos gravados, todos que me satisfizeram, cada um em um momento diferente. Vejam bem, após intensos seis discos pude aceitar regravar o velho disco de 1986. Agora sim, o jogo estava equilibrado em minha cabeça. Não poderia ter sido antes. A ótima cobertura da imprensa sobre o CD Oxymoro do Mustang de 2004, permitiu que esse sonho se realizasse. Uma mão lava a outra, ying e yang, esquerdo e direito, céu e inferno, homem e mulher. O mundo vive de equilíbrio. O Antes do Fim precisava do seu ponto de equilíbrio e esse momento chegou.

Há 20 anos estávamos ensaiando o repertório que iria ser registrado nesse primeiro LP solo da Dorsal Atlântica em 1986. As histórias que cercam a gravação original por si só já são uma lenda. Parte dessa história contei no livro Guerrilha! Algumas delas guardo comigo, e apenas comigo, no coração. O disco me trouxe uma grande maturidade, pois foi um sucesso avassalador, que também mostrou-me a ganância das pessoas e das gravadoras. Brincaram de forma inadequada a respeito desse disco. Prometeram mundos e nos deram os fundos. Gravamos o disco em 86 de qualquer jeito. Prensaram e não me avisaram. Quando cobrei a dívida, chegaram a me fazer ir para São Paulo de manhã para só me pagarem no final da tarde e com cheques de terceiros. Havia muita sacanagem e mágoa escondidas atrás dos sulcos desse trabalho. Por isso ele precisava de um tempo. Um bom tempo.

Dos músicos originais, apenas convidei meu irmão (afinal também foi fundador da banda) que não pôde participar por estar com muitos problemas pessoais. Ele gostou muito que eu lembrei dele. Eu mesmo gravei com o baixão dele, o mesmo Fender Precision (dos anos 70) que participou (tá certo, instrumento não toca sozinho!) do “Dividir & Conquistar”, do “Searching” etc. Só não participou do Antes, porque meu irmão tinha um Gianinni que não era muito bom. Mas o disco foi gravado com um Fender, instrumento emprestado pelo baixista do Azul Limão. Então era Fender de qualquer jeito. Minha guitarra era uma Gianinni com um captador Di Marzio, se não me engano. Gravei em 2005 com minha Gibson velha de guerra, que tem um timbre animal e clássico. Ensaiamos só eu e o baterista Américo Mortágua em duas semanas. Gravamos o disco ao vivo em dois dias, completando uns takes no segundo. Gravei e dobrei as vozes em umas seis horas. O sentimento que permeou o antigo trabalho esteve presente na regravação, por mais incrível que pareça. Deveria ser espontâneo como o original e assim foi. Trabalhamos com a alma renovada, respeitando o passado e contribuindo com o melhor de nós, hoje em dia. Lições aprendidas em duas décadas. Esse disco é para vocês e somente para vocês. Ouçam o “novo” Antes do Fim com a mente aberta, sabendo que eu nunca desafiaria a essência do trabalho original. Acima de tudo, absorvam uma importante lição: quando você se dedica com alma, sinceridade e afinco a algo que se ama, você cresce. A carne pode passar, mas a alma e a arte são imortais.

Carlos Lopes é ex vocalista e guitarrista e fundador do DORSAL ATLANTICA

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