quarta-feira, março 14, 2007
Entrevista Toda Dor do Mundo
Além do som furioso destas meninas de Brasilia conheçam também suas ideias sobre temas variados. Toda dor do mundo é uma banda de personalidade impar no meio Hc de bsb.
Osub – saudações Leila, você poderia nos falar sobre a banda o que motivou vocês a formar o Toda Dor Do Mundo? E sobre as influencias da banda digo musicalmente? Já que esse nome sugere uma banda de Emo.( Brincadeira)
LEILA: Primeiramente Amarildo obrigada pelo espaço, Parabéns pelo zine, e por mante-lo ativo, sei como é difícil.
Na verdade eu entrei meio que convidada,( hehehe), eu era meio nova na galera e tocava instrumento (violão) e não era amiga das antigas. Quando elas propuseram eu achei legal a idéia, até porque qual menina que está no meio não quer ter banda, né não!?
ALICE:A idéia inicial foi de alice (bt), tate (bx) e mônica (vc) e era pra ser um hardcore old school beirando o youth crew: músicas rápidas, simples, de fácil execução com letras que falassem de temas importantes para nós. Era a primeira banda de todas nós (isso lá por volta de 2002) e aprendemos a tocar juntas. Isso é muito encorajador no hardcore, as pessoas podem simplesmente decidir tocar e meter as caras.
TODAS: Dentre as influências podemos nomear algumas bandas: minor threat, youth of today, 7 seconds, bold, trial, judge, nations on fire, seein red, vitamin X, heresy, rethink, discarga… sem esquecer bandas de mulheres que definitivamente são inspiração, como o kaos klitoriano e o infect.
LEILA E ALICE: Sobre ser banda com nome emo, nós concordamos hehehehe. Na época houve uma intensa discussão sobre o assunto, pensamos em Not afraid, e outros nomes que não me recordo, mas decidimos por algo em português, que fugisse um pouco do que estávamos acostumadas a ouvir tipo bulimia, kólica, essas coisas, e que foi difícil chegar a um consenso sobre o nome. Acabou ficando toda dor do mundo. Muita gente achou o nome bonito e sente uma inspiração feminista nele... uma vez até nos perguntaram se tínhamos tirado de um texto da Simone de Beauvoir. Mas na verdade é um trecho da nossa primeira música, a marca do medo, que fala sobre violências físicas e simbólicas contra mulheres.
Osub – é sabido que a TDDM ficou inativa durante um tempo devido a brigas internas e recentemente retornou as atividades com uma vocalista nova. O que motivou essa volta?
LEILA: Consertando, a toda dor não ficou inativa por brigas, ela só parou com as atividades porque tive que me mudar de cidade para estudar e não sabia se iria dar conta de continuar com a banda em bsb morando em Goiânia. Passados 3 anos, em uma conversa com a Dona Alice, tocamos mais uma vez no assunto da tddm, na vontade de voltar a tocar juntas, saudade da banda mesmo, e resolvemos tentar reativar, aí foi só a Tate dar o aval, falamos com a Ju, e deu certo. Como moro fora talvez fique um pouco mais lento o processo de produção, mas não vamos parar. O que motivou a volta foi a vontade de voltarmos a tocar juntas, porque apesar das brigas que tivemos (e com certeza ainda teremos algumas, porque todo mundo é cabeça dura) nos tornamos grandes amigas. E isso eu digo principalmente por mim, que no início, chegava, tocava, mostrava as músicas novas e pronto, mal dava minha opinião por medo delas (elas me davam medo no início). Hoje é diferente, eu mando (brincadeira, hehe)... em porra nenhuma.
Osub – até onde sei algumas das integrantes são bem envolvidas com a cena hc de Bsb vc poderia nos descrever que atividades extra banda estão envolvidas?
LEILA: Poxa, eu tenho um coletivo que está parado (né guris!!!) mas assim, não desisti da idéia por mais esquecida que ela pareça na cabeça de alguns integrantes. Conversei com a Alice e Tate para tentarmos reativar o zine e o festival La Carnissa, creio eu que dará certo, né gurias!?
A gente tem outras bandas, né? Além da tddm, alice e tate tocam na silente, ju tocava bateria na eixo zero, eu (Leila) sou vocal da de que serás capaz; alice tem junto com o hery o zine dfhardcore e o selo alea records.
Não tenho muito tempo pois além de morar fora, eu faço parte de um projeto na faculdade, tenho alguns artigos pra entregar, e minha faculdade é difícil pra caralho e ela nesse momento é prioridade.
Osub - Sei que a banda tem material gravado, mas, que ainda não foi lançado. A planos de lançar esse material antigo ainda inédito? Ou vocês já planejam entrar em estúdio pra comporem musicas novas????
LEILA E ALICE:A gente tem uma gravação velha, de 2003, com vocal da mônica ainda. Algumas dessas músicas (não mixadas e sem back vocal) estão no nosso myspace (www.myspace.com/todador). Estamos pensando e discutindo sobre a execução de uma demo (de repente com algumas das músicas velhas). Pô estamos preparando músicas novas, claro, sempre, mas como eu disse será mais lento pois nem sempre poderei ir pra brasília. Atualmente, só se eu me dividir em 5!
Osub – Brasília sempre foi referencia no que se refere a bandas formadas exclusivamente por mulheres tanto no lado do metal como as extintas Volcana e Autopsia, Flammea que recentemente retornou suas atividades a sempre presente Valhalla. Como no hc/punk como a extinta Bulimia, Kaos Klitoriano. Hoje até onde sei apenas a TDDM está na ativa, a que você acha que falta pra mulheres tomarem seu espaço nesta cena predominante masculina?
LEILA: Bem, creio que estamos sempre tomando espaço, tem o Ütgard com a Valéria, o DISFORME com a Tainara, tem o Terror Revolucionário com a Dri, tem o Bombardeio Geral lá de Planaltina, e várias outras. Sempre existirão bandas com minas. Mas falando de bandas somente com mulheres, creio que o que existe são os mesmos problemas de sempre: muitas meninas querem mas não tocam instrumentos e por isso abandonam a idéia, tem aquelas com muito potencial que ao invés de procurar banda, procura cara de banda (alfinetando a groupiada), existe muitas vezes nas minas um medo de não conseguir ou não agradar por ser um meio onde predomina bandas com homens, portanto, não quer nem arriscar, o que acho um erro, até porque no Hardcore sempre há espaço. Já li num fórum de hardcore, uma discussão sobre aquela banda Walls of Jericho, e um cara colocou que “qualquer vocal de mina é sempre uma bosta”, ainda bem que a maioria não concorda, mas são atitudes como essas que desestimulam algumas meninas. Tem quem fale que falta espaço, me desculpe, mas não acho, nós estamos falando de hardcore, então se vira.
Osub- sendo vocês uma banda feminista qual é a opinião em relação a estes assuntos que as rodeiam: machismo, sexismo, homofobia, prostituição, aborto, vegetarianismo.
LEILA: Somos uma banda feminista(mas não somente): precisa mesmo dizer a opinião sobre o machismo? hehehehehe
ALICE: Sexismo, machismo e homofobia são partes de um mesmo processo de misoginia (repúdio ao que é feminino). É um processo difícil de entender, mas através do qual um sistema de privilégios masculinos é perpetuado. A luta anti-misoginia é diária e cotidiana, por isso a política feminista (aos nossos olhos) é muito mais de modificação interna e questionamento das violências simbólicas e práticas de dominação cotidiana do que protesto nas ruas ( mas é claro que protestar e buscar políticas públicas para mulheres é também importante). É isso que se quer dizer quando fala-se que o privado pode ser politizado. Achamos que feminismo tem tudo a ver com luta anti-homofobia, mas não só isso, feminismo que não seja anti-racista e anti-capitalista não nos parece completo.
As questões da prostituição e do aborto são clássicas dentro do feminismo. Achamos que é direito de cada mulher decidir sobre seu corpo, o Estado e a Igreja não podem legislar sobre nossos corpos. Essa é uma questão que tem se tornado delicada no meio sxe hoje em dia, muita gente defendendo uma postura que se chama “pró- vida” mas que deveria se chamar “anti-escolha” ou “pró-morte” uma vez que a proibição e criminalização do aborto não inibe sua prática. E o que acontece é que milhares de mulheres morrem por ano (estima-se que 1 milhão e 400 mil abortos são feitos no país a cada ano e que a morte por aborto é a 3 terceira causa de mortalidade materna no Brasil), ou sofrem problemas sérios por abortos mal feitos ou falta de atendimento especializado. A criminalização mata! Descriminalizar o aborto é necessidade, é questão de saúde pública no nosso país.
No caso da prostituição é interessante lembrar que todxs trabalhadorxs vendem seu corpo de uma forma ou de outra, e que o papel tradicional de “esposa santa” sustentada pelo marido provedor da casa, propagandeado pela cultura tradicional é um papel de prostituta, é uma mulher que vende seu sexo por sustento. É claro que a questão da exploração sexual de mulheres e menores de idade é preocupante, o tráfico de mulheres para prostituição também. Se a prostituição fosse legalizada, como um emprego normal, as profissionais poderiam ter uma série de leis para se amparar, poderiam exigir proteção trabalhando em condições menos insalubres, ter mais segurança contra abusos, a prevenção de dsts poderia ser mais efetiva, elas poderiam se aposentar.
LEILA: O vegetarianismo é lindo!hehehe. Como estudante de veterinária tenho alguns conhecimentos que muita gente não tem. Sei o que é mito, o que é verdade, porque minha futura profissão me permite chegar mais próxima da real situação e cada dia a convicção se torna mais claro e forte. Ser vegetariano é abdicar de muitas coisas e abandonar antigos conceitos, mas nunca deve ser considerado algo superior. Costumo dizer que vira vegetariano quem quer, pois todos podem, portanto a idéia do “não consigo ser” comigo não cola, basta ter força de vontade e tentar enxergar o que realmente ocorre antes da carne chegar ao prato, tem a questão da libertação animal, o respeito ao meio ambiente e acima de tudo permitir dignidade ao animal, por mais humano que o termo “dignidade” signifique, não tem outro que se encaixe melhor. Nós mulheres, feministas, sabemos o quão degradante é a submissão (muitas vezes forçada), o mesmo ocorre com animais, para o bel prazer do homem. Alguns exemplos, uma granja de porcos especializada na produção de porcos e porcas reprodutores seleciona os melhores e os coloca em um segundo andar, com baias separadas. No 1º andar há um reservatório de dejetos desses porcos, eles colocam os porcos ruins, menos selecionados nesse local onde a alimentação consiste em fezes e urina do porco do andar de cima, milho, e um pouco de ração. Porco muitas vezes come fezes (até porque a quantidade de milho, farinha de soja, alimentos palatáveis não são metabolizados por inteiro no organismo), mas permitir que essa seja sua alimentação básica é exploração. Outro exemplo de exploração, o leitão é castrado sem sedação ou anestesia, o bicho berra pra porra, com certeza porque ter as bolas arrancadas na gilette não é nada prazeroso (homens fica aqui a reflexão)e atualmente a Suécia está decidida a implementar o anestésico em 2010, tem idéia de como acontece no Brasil? Os produtores dizem que sem castrar a carne tem gosto muito acentuado. O boi quando cai na seringa (local anterior ao local de matança) e não levanta nem com choque, é arrastado pra dentro. Tenho contato com diversos produtores, e inclusive tenho informações sobre um frigorífico bem pertindo daqui, me foi relatado (por alguém de dentro) que muitas vezes a pistola de insensibilização não funciona, então o bicho é morto a martelada, o que é proibido pela Vigilância, mas ninguém inspeciona, ou então é desmembrado ainda vivo, o que também é proibido, mas ninguém pune, até porque falando de Brasil, se faz vista grossa pra essas situações, e eles usam o seguinte argumento, “ é só um bicho e já ia morrer mesmo”. São essas coisas que combato, e enquanto muitos vegetarianos correm de pessoas como essas, eu fico perto, pra ter a maior carga de informação possível, e conseguir discutir tendo as mesmas noções técnicas e não parecer só mais uma “radical”. As informações como tudo acontece, estão aí e algumas são mesmo equivocadas, como o uso de hormônios de crescimento pro frango ficar grandão, pra ele ficar assim se usava ANTIBIÒTICOS, hoje usa-se pró e prebióticos, os hormônios nos frangos, eram usados para outra finalidade e os antibióticos estão sendo proibidos. Muito vegetariano por falta de aprofundamento na questão, fala borracha por aí e o vegetarianismo acaba sendo prejudicado. Por mais que o resultado no fim seja o mesmo (frango grandão), um erro desse faz com que o outro lado tenha mais credibilidade e seja considerado mais esclarecido. Pesquisar, se informar, atualizar, é importante, pois assim seremos escutados e teremos credibilidade, deixar de ser taxado de “natureba doido e radical” é importante e isso só acontecerá quando em discussões tivermos uma argumentação clara, objetiva e quanto mais correta melhor.
Osub – Te agradeço pela atenção longa vida a banda e deixo este espaço aberto a suas considerações finais.
ALICE:mais uma vez obrigada pelo espaço! esperamos que cada vez mais meninas produzam na cena, seja tocando em bandas, escrevendo zines, fazendo xous...
para ouvir nossas músicas acesse nosso myspace www.myspace.com/todadoraguarde que em breve estaremos prontas para voltar a tocar por ai.
Apesar de tate e juba não terem respondido diretamente à entrevista, elas opinaram e concordaram com todas as respostas.
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