sábado, dezembro 29, 2007

Absado "O dono do Morro Dona Marta"


Acabei de ler o livro "Abusado" do caco barcelos um livro que retrata a quadrilha de Marcinho VP um traficante do Morro de Dona Marta morto em 03, um traficante que gostava de Che Guevara e dos Zapatistas.
Exelente livro estou disponibilizando aqui uma materia sobre a morte do VP e uma entrevista do Caco Barcelos na época que tudo aconteceu. Vale a pena tentar achar esse livro na net. se não encontrarem me digam que eu disponibizo aqui pra vcs.


copyright Folha de S. Paulo, 29/07/03

O Dia
"Sua vida virou um livro aberto", "Marcinho VP é morto na cadeia e a suspeita é de que tenha sido vingança por ter dado informações sobre facção em entrevistas

Condenado a 42 anos de prisão, o traficante Márcio Amaro de Oliveira, o Marcinho VP, 33 anos, foi encontrado morto por agentes penitenciários, dentro de uma lixeira, no presídio Bangu 3, onde cumpria a pena, no complexo penitenciário de Bangu, na tarde de ontem. O secretário de Administração Penitenciária, Astério Pereira dos Santos, suspeita que o crime esteja relacionado às informações que Marcinho VP forneceu em entrevistas para a publicação do livro Abusado, o Dono do Morro Dona Marta, do jornalista Caco Barcellos, lançado em maio. Marcinho VP foi um dos chefes do tráfico de drogas no Morro Dona Marta, em Botafogo, e era ligado à facção criminosa Comando Vermelho (CV).

‘A publicação do livro é um indício para justificar o crime. Marcinho falou demais e deu muitos detalhes sobre a organização criminosa’, avaliou Astério. No livro, a preocupação de Marcinho VP com os chefões do CV foi relatada em cartas. Numa delas, ele escreveu a Isaías Costa Rodrigues, Isaías do Borel, a quem ele chama de ‘presidente’, pedindo desculpas por ter cortado a comunicação com os chefões. O traficante Ronaldo Pinto Soares e Silva, conhecido como Ronaldo Tabajara, 35, é suspeito de estar envolvido no assassinato.

Marcinho VP foi morto por asfixia mecânica

Os agentes encontraram o corpo de Marcinho VP por volta das 16h. Segundo o secretário, ele foi assassinado entre 13h e 16h. Marcinho VP foi morto dentro da cela A-3, ocupada por outros 56 internos, e depois foi levado para a lixeira. A busca pelo traficante começou depois da chegada de seu advogado Ezequiel Costa. Sem vestígios de ter sofrido agressão, a polícia acredita que o traficante tenha sido morto por asfixia mecânica (sufocado ou estrangulado). De acordo com Astério, Marcinho VP não havia reclamado de estar sofrendo ameaças e nunca pediu ‘seguro’, ou seja, isolamento para impedir que sofresse atentados.

A Secretaria de Segurança determinou a abertura de sindicância para apurar as circunstâncias do crime. Outro procedimento também foi aberto pela Secretaria de Administração Penitenciária, que investigará se houve participação de agentes no assassinato. Mas, para o presidente do Conselho da Comunidade, Marcelo Freixo, responsável pela fiscalização do sistema penitenciário, a morte de Marcinho VP é reflexo da falta de infra-estrutura nos presídios. ‘É um total descaso do estado, pois há falta de agentes e de capacitação dos profissionais. Isso gera a freqüente violência nas unidades’, analisou Freixo. Só em Bangu 3 há 793 internos.

Marcinho terminaria sua pena dia 23 de abril de 2042. Ele foi condenado pela Justiça duas vezes. Uma por tráfico de drogas, a 17 anos de prisão, e outra por tráfico e associação para fins de tráfico, que acrescentou mais 25 anos a sua ficha criminal."

ENTREVISTA CAO BARCELOS


O ar sereno de Caco Barcellos oferece parcas pistas sobre a rotina de um dos maiores jornalistas investigativos do País. Gaúcho de 53 anos, o correspondente da Globo em Londres lança seu terceiro livro-reportagem, Abusado (Record, 534 págs, R$ 55). Após o polêmico Rota 66, em que expôs crimes da Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar, a polícia especial pau-lista, Caco narra a invasão do Comando Vermelho no morro Dona Marta, no Rio. O protagonista é o traficante Marcinho VP, que leva o codinome de Juliano VP. O livro virará filme. O produtor inglês Sam Sterling comprou os direitos da obra.



Por que falar do tráfico?
No Rio há uma concentração de pobres, alguns praticando crimes, nos morros. E as classes média e alta desconhecem a realidade dessas pessoas. Há um medo exagerado da figura do traficante.



Mas o Rio está refém deles.
Não estou acompanhando de perto, mas, nos poucos contatos que tenho com os traficantes, eles falam de violência no sistema penitenciário contra eles e também de execução. O secretário de Segurança Pública do Rio disse que já mataram mais de 100. A extrema violência como método de segurança é ineficaz, gera mais violência. Esses episódios só confirmam.



Rota 66 o ajudou neste livro?


Talvez. Criminosos diziam: “É o cara que denunciou a polícia, dá para confiar”. Quando a Rota me perseguia, recebi convite da Rocinha para ficar escondido lá. Diziam: “Aqui polícia não sobe, principalmente polícia de São Paulo”.



E o contato com os traficantes?
Fazia um programa sobre a cidadania na periferia e tive
acesso aos traficantes, pois tínhamos que pedir a autori-
zação para filmar. Quando viram que, se eu dizia que o programa falaria sobre uma escola de teatro no morro,
falava mesmo, ganhei confiança.



O tráfico quer lugar na mídia?
Sem dúvida. Mudei os nomes dos traficantes e alguns
não gostaram, queriam ver o nome publicado. O acesso
deles à mídia é tão restrito que eles não têm noção
das conseqüências.


Como fica a ética quando é preciso negociar com bandidos?
Sempre deixei claro que não acompanharia nenhuma
ação criminosa no presente ou teria acesso a algum plano. Falava: “Me conte o que aconteceu ontem”. Se soubesse
que eles iam matar alguém, faria tudo para evitar. Que se
dane o repórter, é legítimo na minha profissão interferir
nos fatos para que eles não aconteçam, mesmo que não

se tenha a notícia. Era difícil para eles entenderem. Eles querem mostrar que confiam em você.



Foi um modo de se proteger?
É uma proteção técnica. Mas nunca vieram dizer que estavam desconfiando de mim na produção do livro. Coisas mais freqüentes no morro são fofoca e romance.



Romances do morro acabam mal?
Geralmente traficantes têm 20 namoradas. Se você se
envolve com uma das 20, a história pode acabar mal. Com exceção do Juliano (Marcinho VP). Ele é traído, acha graça. Uma das namoradas o traiu com um policial que o perseguia
e a irmã dele só namora com inimigos dele. Há benefícios em ser mulher de traficante. O mais básico é que você nunca vai subir o morro com as sacolas de compras. Depois que elas ganham isso, não querem perder.


Como é a relação dos traficantes com a comunidade?
Tem fila de espera para trabalhar com eles. Dá para perceber que as pessoas não têm por que defender o Estado. As melhorias são obras da igreja, dos mutirões ou dos traficantes. Às vezes o menino que a dona do bar vê roubando não é um bandido para ela, é o filho da Maria que ela viu crescer.



Como é a rotina dos traficantes?
Tem que ser um careta, que aceita a vida de ficar num esconderijo fixo. O traficante é um comerciante, só que ilegal. É parecido com dono de botequim dos morros, que acho pior do que os traficantes para a comunidade. Eles vendem uma droga pior. A cachaça é pior que a maconha e talvez pior
que a cocaína. Causa violência doméstica, no trânsito e homicídios. Pesquisas mostram que 80% de vítimas e de autores de crimes tinham álcool no sangue. Assim, o dono
de botequim causa um dano maior.



É uma postura polêmica.
Vão dizer que sou um maluco. Não me incomodo. Há hipocrisia na análise da violência no Brasil. É uma sacanagem ficar escandalizado quando o moleque está armado com uma AK-47 e não com o salário que fez com que ele tivesse aquela vida. Pegue o filho de quem nasce no morro, é injustiça a cada segundo da vida dele.



Acha que seu livro pode contribuir para glamourizar o crime?
Sei que há esse risco. Tive uma preocupação de não tentar não cair nessa armadilha, mas qualquer instrumento de comunicação tem esse poder. Uma bronca minha em relação ao jornalismo é que a gente vira as costas a um segmento
que é a maioria da população, 70% de pobres. Você não pode se recusar a retratá-los só porque se arrisca a chamar esse povo de herói. Essa história tem que ser contada também.
Em geral quem faz esse tipo de acusação é o pessoal que
só quer retratar o universo dos Jardins ou da zona sul do Rio, são os jornalistas que não cruzam o túnel Rebouças, por-
que a pobreza é feia. Posso ser acusado de glamourizar esse mundo, assumo a crítica, mas vou tentar mostrar a realida-
de da maioria, com o cuidado que se deve ter. Seria um criminoso se achasse que eles têm que arrancar os olhos
das pessoas, mas longe disso.



Traficantes atraem a simpatia de alguns intelectuais?
Acontece pouco e com poucas figuras. No meu caso é por dever de ofício. Não gosto de fazer caridade. Um país justo não precisa ser solidário. Dizem que é maravilhoso ser soli-
dário, dar pãozinho, aula de música, mas salário ninguém dá. Fala-se que tem que ocupar os jovens. Que ocupação?
Todos querem deixar o morro. Nenhum trocaria um salário
de R$ 1.500 pelo risco da criminalidade.



Muita gente não vira bandido.
É por preservação. O menino tem que decidir se vai trabalhar ou vai para o tráfico. Ele vê o pai, que trabalha há 45 anos para ter aquela vida. O vizinho que trabalhava para o tráfico tinha tênis importado, mas morreu. Não é fácil optar pelo crime. A maioria deixaria o crime por salário digno.



Por que pensou em desistir do livro no episódio do João Moreira Salles (o cineasta depôs por ter ligações com Marcinho VP)?
Ele falou para a polícia do livro. Isso perturbou o processo. A polícia não me ameaçou, mas bastava me seguir e prender todo mundo. E a minha função não era a de punir as pessoas. Se quisesse, era só apontar. Mas o que ia acrescentar? Mais um bandido na cadeia com outros 500



Como é Marcinho VP?
Um cara inteligente. Se destacaria se tivesse tido a trajetória de um jovem de classe média. É inquieto, curioso, tende ao exagero. Tem aspirações políticas pouco claras, mas, se fizesse parte da sociedade organizada, poderia ter uma trajetória assim. Tem esperança de ser porta-voz do Co-
mando Vermelho, o que considero utópico.



Você era amigo de Tim Lopes. Cobriam a mesma área, mas você fez um caminho diferente.
No caminho do Tim, você é mais esperto que eles, escondem a câmera e registra crimes. No meu, sabiam da minha presença, e eu não queria ver crimes. Não chego à verdade absoluta como o Tim chegava.



O risco dele foi maior que o seu?
Sem dúvida. Ele denunciou crimes numa favela e voltou lá. No dia, foram mais espertos. Criminosos se impõem pela força porque são desorganizados, embora chamem de crime organizado. Um é chefe, pois matou cinco, e o outro, para
ser, precisa matar sete.



Após o Rota 66 sofreu ameaças?
No primeiro ano, foi complicado. Depois, houve perseguição
na Justiça. Foram cinco processos e há dois correndo. No livro, os personagens principais são os oficiais da PM que mataram mais de 20 cada. Mas foram os mais secundários, que não mataram tanto, de seis a oito pessoas, que me processaram. Ganhei as ações. Acredito em perseguição porque eles só perdem, mas continuam fazendo porque me prejudicam.
Todas as minhas economias vão para aí.



Mas houve ameaças?
Não posso dizer que sim, apenas um ou outro
me vê na rua e faz piadinha.



Neste atual trabalho teve medo?
Só tive problemas na Argentina. Fui falar com o Juliano quando ele estava clandestinamente no país. Estava revoltado pois tinha perdido o morro. Dizia que queria estar perto da pobreza. Na hora, a tevê exibia o jogo do Boca Juniors e Independiente ao vivo. Eu disse: “O povo está ali”. Compramos ingresso. Chegou um cara por trás de mim com um punhal e gritou: “La plata!”. Não conseguia tirar o dinheiro e começaram a me bater. O Juliano veio correndo dando paulada. Me furaram a perna com o punhal, tentaram apunhalar minha barriga. Juliano se revoltou: “Como a polícia vê e não faz nada, tem que matar esses caras”. Eu falei: “Ah, é assim?”. Ele disse que nunca tinha se visto do outro lado.



Como pessoas próximas a você lidam com esse risco?
Cuido bem da minha segurança. O risco real não é tão grande como parece para quem está de fora.



Saiu do País por ameaças?
Não, de modo algum. Queria estudar, e Londres oferece possibilidades. Quis também me afastar um pouco, estava sendo muito solicitado e não consigo dizer não. PMs me ligavam para denunciar tenentes, mães que perdiam os
filhos pela violência. É maravilhoso porque resulta do tra-
balho. Mas queria um pouco de paz.



Você se mudou com sua família?
Prefiro não falar da vida pessoal.



Como foi sua infância?
Cresci na periferia de Porto Alegre. Cursei escola pública
e tive influência dos católicos progressistas. Isso me
ajudou a entender minha realidade.



Quando decidiu ser jornalista?
Desde menino. Saía do meu bairro à noite, ia ver como moravam os ricos e escrevia. Depois fiz faculdade de Matemática e trabalhava como taxista para ajudar a família. Comecei a fazer o jornal do centro acadêmico, com uns hippies. Virei hippie também


09/06/2003


http://www.terra.com.br/istoegente/201/entrevista/index.htm

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