sábado, janeiro 05, 2008

Gótico caboclo ou dissonância tropical?

A cena alternativa brasileira, mais especificamente, na vertente do gótico em suas variadas manifestações, parece finalmente voltar à tona após anos submersa. Obviamente que não se trata de uma bolha, que costuma retratar coisas passageiras, modas em sua ligeira consistência, falo de um acentuado nivelamento orquestrado por grandes festas ocasionais (as famosas raves góticas, organizadas pelo pessoal da Thorns), a quantidade de casas do gênero que existem atualmente em São Paulo, além do número crescente de bandas em todo o país, que vão desde o dark (rock nacional no gênero do Finis Africae e Hojerizah), passando por bandas mais fiéis aos percussores ingleses e germânicos (Fields, Xmal, Sisters etc...), até mesmo aquelas que seguem o fio da nova onda, do “gothic metal”, atualmente o representante mais popular do gênero.


Pode-se dizer que, ao menos em São Paulo, temos uma cena tão forte quanto os principais focos pelo mundo afora, faltando pouco para que isso se concretize em definitivo, graças à falta de festivais que reúnam bandas de todo o país e algumas de fora. Quem sabe, unindo todos os projetos existentes, a idéia possa tomar forma... O problema reside somente no modo como a mídia enfoca a cena gótica, maquiando-a com elementos pejorativos e estereótipos deprimentes, sendo que o gótico nada mais é que um estilo dentro do contexto do rock, envolvendo comportamento, atitude e conceitos tipicamente modernos. Isso no entanto não exclui o resgate de velhas tradições artísticas e culturais (literárias, plásticas, sonoras), devido à grande ientificação que muitos mantém com lendas e mitos perdidos no folclore de culturas medievais, como o próprio rótulo define.


Se a mídia tradicional optou por abafar ou bombardear o gênero, com a popularização da Internet a história mudou. Graças a sua essência mítica e misteriosa, o gótico tornou-se uma comunidade amplamente interligada, a curiosidade que o tema desperta reverberou na criação de uma vastidão de páginas voltadas para o único intuito de mostrar um pouco do rico compêndio de artistas que fazem parte do contexto ou simplesmente possuem algo em comum com o gênero, desde a música em si, passando por quadrinhos, artes plásticas e demais manifestações. Para tanto que podemos nos orgulhar de termos o portal de cultura obscura http://www.carcasse.com como nosso representante no último livro do especialista em rock gótico, Mick Mercer.


Graças a uma considerável quantidade de listas, como a Sépia Zine, o Gótico DF, o Gótico Curitiba, o Mausoleum etc., as pessoas interessadas puderam se reunir ocasionalmente para organizar sarais literários, shows, performances ou simplesmente para trocar figurinhas. Enfim, a tecnologia foi um dos fatores principais para que a cena se tornasse o que é atualmente, um pouco longe do ideal, mas bem acima do que muitos esperavam, provando que ainda há bastante o que aproveitar e, que a noite (eterna e jovem) tem ainda muito para oferecer, desde que alguns disponham-se a batalhar por isso.

Cena brasileira
Gótico caboclo ou dissonância tropical?

A cena atualmente conta com uma gama de bandas fantásticas, cujas influências vão desde os lisérgicos anos 60 até o minimalismo sincretizado dos anos 80: pudemos avaliar o interesse do público no Festival com as bandas da coletânea De Profundis, que aconteceu em 25/05 na Tribehouse, com um público grande, por volta de 400 pessoas, que compareceram única e exclusivamente para prestigiar as bandas que se apresentaram no palco daquela memorável noite, quando as pistas permaneceram lotadas durante todas as apresentações.







"De Profundis – Brazilian Darkwave Collection"Diário de Bordo.


A idéia primordial surgiu como as grandes revoluções, na mesa de um bar. Marcos Dutra, Zé Carlos (ambos do Tears of Blood), Herr Markus (Krummen) e eu, encontramo-nos para uma rodada de cerveja num boteco da zona leste, quando expuseram sua idéia de montar uma nova coletânea com bandas do cenário “darkwave” paulista. Como a primeira experiência (Violet Carson) contou com 15 bandas de boa parte do Brasil, ficou definido que um menor numero de bandas iriam compor o CD desta vez, três delas decididas de primeira mão: The Tears Of Blood, Das Projekt Der Krummen Mauern e Mercyland. Como fui convidado para produzir, insisti no nome do Elegia, banda que estava escutando muito naqueles dias, o que também agradou aos demais. Por sua vez, todos expuseram outros candidatos à vaga: Stale Bread e Der Kalte Stern, que não puderam participar devido à problemas em suas respectivas formações na época, e graças à qualquer eventualidade do destino pudemos contar com um vulcão então adormecido: Vesuvia, preenchendo o quadro de participantes. Definidos os papéis de todos, o tempo correu entre gravações de estúdio, idéias quanto ao nome da coletânea, arte e afins, culminando no trabalho que muitos têm em suas mãos atualmente: responsável, de alto nível e extremamente emocional, como jamais poderia deixar de ser, quando algo manifesta-se passionalmente em função de um sonho, um ideal.


The Tears of Blood
The Tears of BloodPelo que pude constatar após o lançamento da De Profundis, parece-me que a banda arrebatou para si um grande numero de admiradores, sua sonoridade inspirada em bandas como Xmal Deutschland e Siouxsie & the Banshees tornou-os prediletos dentre uma grande parcela das pessoas que adquiriram a coletânea. Com batidas tribais, guitarras dissonantes, baixo acentuado e uma vocalista de timbres distintos, o mínimo que poderia acontecer seria o título de melhor banda gótica do cenário brasileiro na atualidade, palavra do público, que passa a reconhecer os esforços desta banda que está na estrada já há onze anos, tendo ocasionalmente se apresentado em grande parte dos porões paulistanos e em outros pontos do Brasil.



Das Projekt der Krummen Mauern
Das Projekt der Krummen MauernNão estranhe o nome, eles são brasileiros, embora boa parte do público que assistia boquiaberto ao show de abertura do The Mission em 21 de abril no Olympia, tenha duvidado até o momento em que timidamente o vocalista Herr Markus (muito nervoso devido à ocasião) apresentou a banda. Uma levada extremamente contagiosa, rock gótico tradicional, com sua bateria eletrônica, duas guitarras, baixo e vocal sorumbático. Tive o prazer de contar com a presença deles na primeira coletânea Violet Carson, porém, na De Profundis, a satisfação foi ainda maior pelo fato do material ser totalmente exclusivo e todas as composições serem novas. A banda iniciou sua trajetória no fim dos anos 80 com o nome de Santos Pecadores e, de 91 para cá, consolidou-se como ícone do rock gótico brasileiro.



Elegia
Elegia Após duas participações no Wave-Gotik-Treffen, aclamados pela imprensa especializada da Europa como banda revelação em 2000, começam a conquistar seu espaço por aqui, ou seja, despertando inclusive a atenção da Globo, que mostrou a banda em programa da região de São José dos Campos, sem contar a menção no 21th Century Goth, ultimo livro de Mick Mercer, ilustríssimo conhecedor do gênero. Além do que qualquer propaganda possa proporcionar, o som do Elegia é algo simplesmente cativante, um diferencial e uma alternativa a toda mesmice que anda rondando o circuito gótico. Como os próprios europeus reconheceram, eles estão ensinando as bandas góticas da atualidade a reverem suas concepções sobre a musicalidade. Indicado para quem gosta de algo na linha darkwave como Clan of Xymox, Poésie Noire e Blessing in Desguise.



Vesuvia

Poesia na sua manifestação mais objetiva... Melodias embriagantes, nostalgia amplamente justificada pela levada com base nos anos 60 e 80. Aquele tipo de canção que embala nossos pensamentos em sentido a horizontes oníricos, letras relatando fatos que certamente lhe trarão algo do fundo da memória. Bem na linha de bandas como Radiohead, Echo & The Bunnymen, The Smiths e The Church. A banda tem um potencial que futuramente será ouvido no disco com novas composições, incluindo algumas em português, e contam com o trunfo de dois de seus membros serem amplos conhecedores de música em geral, desde o clássico até o grindcore noise. Notavelmente, ouso dizer que é minha banda predileta dentro de seu estilo em particular.


Mercyland

A mais experimental e também a mais pesada dentre as cinco bandas que compõem a coletânea. Chegam mais uma vez com suas bases mesclando um crossover de pós-punk, hard rock e rock gótico. Preste atenção ao trabalho das guitarras e principalmente ao vocal. Ótima pedida para quem gosta da linha de bandas como TSOL, The Mission e The Cult. O destaque é a única composição em português da coletânea, "Só", conhecida de muita gente por aí, em nova versão. A proposta da banda é dar continuidade a uma trajetória de bom som deixada de lado, talvez por mero desconhecimento do próprio público alternativo, acredito que não estejam tão distantes de suas ambições, afinal, produziram canções que nada devem às suas influências.


Enfim, mais um passo para divulgação de nossa sonoridade, recheada de poesia e sentimentalismo (nada piegas) num mundo que vem se tornando cada vez mais frio e calculista. Contando com organização do Zine De Profundis e masterizado por Luiz Calanca, saindo por seu selo Baratos Afins. A quem interessar, aprecie



por "Morpheus" Affinito ´foi morador do gama é um apaixonado pela cultura Gotica, editor do zine De Profundis um dos mais respeitados zine do Brasil.

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