quinta-feira, novembro 01, 2007

ROTA 66: A HISTÓRIA DA POLÍCIA QUE MATA



Caros amigos leitores estamos disponibilizando aqui o primeiro capitulo do livro ROTA 66: A HISTÓRIA DA POLÍCIA QUE MATA de Caco barcelos.


Ele é bem mais sangrendo do q o TROPA DE ELITE. Leiam e se gostarem comprem o livro.








1º Capítulo

A perseguição

A Veraneio cinza nunca esteve tão perto. A 200, 300 metros, 15 segundos: a sirene parece o ruído de um monstro enfurecido. Os faróis piscam sem parar. O farolete portátil de 5 mil watts lança luzes no retrovisor de todos os carros à frente. Os motoristas, assustados, abrem caminho com dificuldade por causa do trânsito movimentado nesta madrugada de quarta-feira, no Jardim América. A Veraneio, com manobras bruscas, vai chegando perto, cada vez mais perto dos três homens do Fusca azul. Eles estão na Maestro Chiafarelli e têm à frente uma parede de automóveis à espera do sinal verde para o cruzamento da avenida Brasil.

O motorista do Fusca azul, Francisco Noronha, sem tirar o pé do acelerador, reduz da quarta marcha para a terceira, em seguida para a segunda, e, ao girar o volante à esquerda, a roda dianteira bate no canteiro divisor de pista. Sem perder o controle, imediatamente ele gira à direita e segue em direção à calçada oposta. Sobe o meio-fio. Quase atropela um grupo de jovens, que tenta proteção junto ao muro. Ao desviar deles, por sorte, bate com a traseira em um poste na esquina. O Fusca se alinha sobre a calçada da Brasil, com a frente apontada à direita, que está livre para a fuga.

- Atenção, tigrão. Prioridade rua Maestro Chiafarelli. É Maestro Chiafarelli, QSL, tigrão? A prioridade agora é Maestro Chiafarelli. Três elementos Fusca azul. QSL. QSL, tigrão? Câmbio.

Os cinqüenta tigres estão espalhados pela cidade, cinco em cada uma das dez Veraneios cinza. Tão logo ouvem a ordem da Central de Operações, via rádio, começam a voar baixo em direção ao Jardim América.

Os tigrões que estão mais perto do Fusca azul são os da Rota 13. O ponteiro do velocímetro marca 110 quilômetros. O soldado motorista reduz, breca, gira todo o volante à direita. A Veraneio roda em um ângulo de 90 graus. Bate de lado na traseira dos carros que aguardavam a abertura do sinal.

Com o carro ainda em movimento, o soldado posiciona o câmbio na terceira marcha, em vez da primeira, e a Veraneio avança sem força alguns metros. O barulho das velas do motor acusa o erro até ele acertar a posição. Ao lado do motorista, o sargento comandante da Rota 13 tem o dedo indicador esquerdo grudado no botão da sirene. Com a mão direita, ele pega o microfone do rádio e grita ao operador da Central de Operações (Copom).

- Fusca azul agora na Brasil. QSL, Copom. Brasil! QSL?

- Positivo, tigrão. Brasil. Viva o Brasil!

O ruído da sirene está mais distante. Noronha tenta tirar vantagem da feliz manobra da esquina. Percorre todo o quarteirão forçando a segunda marcha. E, em uma outra manobra rápida à direita, faz o Fusca derrapar e perder o atrito de duas rodas no asfalto. Ao recuperar a estabilidade, percebe pelo retrovisor que está fora da visão da Veraneio.

Depois de alguns minutos sem ser visto pelos policiais, o Fusca segue pela avenida Nove de Julho, a 120 quilômetros por hora, com todas as luzes apagadas. Para entrar, bruscamente, na Estados Unidos, Noronha reduz, aumenta a rotação do motor e faz uma conversão proibida à esquerda. Quase colide com mais uma Veraneio que entra na perseguição.

O carro da polícia que desce a Nove de Julho, sentido contrário ao do Fusca, desvia, quase capota e, meio desgovernado, segue pela mesma rua. A velocidade dos novos perseguidores é tão alta que eles preferem, em vez de manobrar e retroceder, seguir em frente, entrar na primeira rua à direita, para tentar bloquear o inimigo pelo caminho paralelo.

Agora já são cinco Veraneios e 25 homens atrás do carro de Noronha. Ele sabe, pelo ruído das sirenes, que a perseguição está mais intensa, embora não veja, pelos espelhos, nenhum carro da polícia atrás dele. Mas, logo à frente, a sorte dos três homens do Fusca azul começa a mudar. Eles fogem pela Peixoto Gomide. Entram na Oscar Freire e, em poucos minutos, estão de volta à Nove de Julho, onde são surpreendidos pela barreira de uma viatura, parada no meio da pista, em posição oblíqua.

- Aqui Rota 66. Avistamos Fusca azul. Urgente. Câmbio.

- Localização Rota 66? Câmbio.

- Nove de Julho. Reforço, Copom, reforço! Fusca azul vindo em nossa direção.

- Atenção todos os carros. Rota, Tático Móvel, Radiopatrulha. Prioridade na rede é da Rota 66. Nove de Julho. Avenida Nove de Julho. Três elementos perigosos. Fusca azul. Atenção, viaturas...

À espera do inimigo, o motorista da Rota 66 acelera muito, sem movimentar o carro, ainda parado no meio da pista. Ao lado dele, no banco dianteiro, o comandante da equipe, sargento José Felício Soares, tem uma metralhadora sobre o colo. Atrás, entre dois PMs, está o soldado Antônio Sória. Ele se apóia no encosto do banco da frente, avança o corpo o máximo que pode para ver melhor a cena. Sória é o comunicador da Rota 66.

- Só dá pra ver dois. O passageiro está usando um chapelão. O motorista é cabeludo, deve ser maconheiro, QSL? Meliante cabeludo, QSL? Está vindo pra cima de nós! É agora, Copom, vamos pegar, Copom!

Duas horas antes de cruzar com os homens da Rota 66, os longos cabelos do menor Francisco Noronha estavam entre as mãos da namorada, Iara Jamra, que os acariciava enquanto ele fazia o que mais gostava na vida: namorar em um passeio noturno de carro, em baixa velocidade, ouvindo Yes, Pink Floyd, Led Zeppelin pelas ruas arborizadas da cidade universitária. Namoro monossilábico. De vez em quando, um ou outro baixa o volume do som, para poder ser ouvido.

- Que baraaato, Iarinha!

O namoro já dura três meses, tempo suficiente para Iara entender que o significado dessa expressão de Noronha é amplo. Pode representar qualquer coisa relacionada ao prazer de estarem juntos. Um elogio ao som, aos carinhos, à bela noite, aos momentos de curtição sem palavras. Observadora sensível, Iara gosta de interpretar o silêncio do namorado como um sinal de quem está muito de bem com a vida e amando a companheira. De tempos em tempos, ela também se declara apaixonada. Bem ao jeito que Noronha gosta de ouvir:

- Que legaaal, meu!!

O passeio termina em frente à casa de Iara. Noronha estaciona o Fusca, desliga o motor. Iara encosta a cabeça no ombro dele. Os dois fixam o olhar na lua cheia. Começam a recordar o dia em que se conheceram nessa mesma rua, uma rampa de asfalto, ponto de encontro dos adolescentes skatistas do bairro. Noronha subia de skate, agarrado ao pára-choque traseiro do carro de um amigo. Iara descia a rampa, deslizava em ziguezague, de minissaia, também equilibrada sobre dois pares de rodinhas.

- Garota skatista! Achei demaaais, Iarinha.

Para Iara, a escolha de Noronha tem um sabor de conquista, de vitória numa disputa declarada entre amigas. Noronha, aos 17 anos, é uma unanimidade. As garotas adoram o jeito, o charme do skatista radical. Inquieto, irreverente, às vezes rebelde. Não é exatamente um rapaz bonito: 1,68 metro de altura, ombros largos, corpo de atleta; cabelos castanhos e crespos, longos e despenteados, sempre repartidos ao meio e a barba por fazer.

Iara lembra da roupa que ele usava naquele dia em que o namoro começou. Calça Lee surrada com várias etiquetas cobrindo as partes puídas, camiseta Hang Ten, tênis All Star. Não por coincidência, a mesma dessa noite acrescida de um suéter de cashmere. Um uniforme rebelde, americanizado. Uma moda estrategicamente fora de moda, sucesso entre as garotas. Motivo do comentário irônico da namorada:

- Ô, meu! Você deve ficar hoooras em frente ao espelho se produzindo pra parecer que odeia se produzir.

- Pára com isso, Iarinha. O meu jeito é assim mesmo: largadão, não estou nem aí com a moda.

Noronha vive dizendo que odeia modismos e que não tem nenhum apego a coisas materiais. Os amigos traduzem isso como coisa de adolescente mimado, que sempre tem facilmente o que deseja. Os pais são generosos em presentes ao caçula dos dois filhos. Os amigos invejam o tipo de relação que Noronha tem com a família. Uma relação baseada no afeto, na liberdade, no diálogo sem limites, na confiança mútua. A educação familiar de Noronha explica o traço mais marcante de sua personalidade: um jovem seguro de si, com idéias avançadas em relação às dos amigos.

Mas, na hora de se despedir da namorada, Noronha revela que a autoconfiança só vai até certo ponto.

- Amanhã ao meio-dia eu vou buscar você na escola.

- Não precisa se preocupar, Noronha, eu volto sozinha. Eu até gosto mais.

- Quer você queira ou não, eu estarei lá.

Desde o início do namoro tem sido assim. O que antes parecia uma gentileza revelou-se mais tarde ser puro ciúme. Uma maneira de pressionar Iara a não cabular aula e de evitar que ela encontre alguém à saída da escola. Depois da cena de ciúme, Iara está decidida a sair do carro e não dá muita importância ao último diálogo deles, onde Noronha revela que - se tudo acontecer como está combinado com os amigos - esta noite, para ele, ainda será longa e agitada.

- Ô, meu! Você vai dormir cedo ou ainda vai pra gandaia?

- Vou ao Paulistano. Tem um lance aí. Periga pintar um gravador. Já temos um canal pra vender em Santos, coisa do Pancho.

- Não é barra-pesada, não, Noronha?

- Não se preocupe, será a última vez.

Antes de ir ao Clube Paulistano, Noronha resolve passar em casa, um apartamento espaçoso no sexto andar de um prédio de luxo da avenida Angélica. A família ocupa um andar inteiro. Os pais moram no apartamento 61. Ele e o irmão mais velho, Zezinho Noronha, dividem o 62, que fica em frente. Os dois estão amigos nesses dias. Passaram juntos o último feriado de Páscoa, com suas garotas, numa praia de Santa Catarina. A viagem tinha sido maravilhosa.

- Dá pra você me emprestar uma grana? Mixaria, quero comer qualquer coisa. Devolvo amanhã, seguro.

- Não está dando, mano. Tenta com a mamãe.

Noronha acha que não é o caso, já tinha recebido a mesada reforçada para viagem à praia. Resolve sair assim mesmo. Passa rápido no 61, e avisa.

- Tchau, mãe!

- Não demora, Chiquinho, quero conversar com você ainda hoje.

- Não vou demorar, mãe.

A chegada de Noronha sempre agita a turma do Paulistano. São quarenta, cinqüenta jovens que se reúnem diariamente no lado de fora da entrada do clube, um dos mais elegantes da zona sul da cidade de São Paulo. Nos fins de semana, à tardinha e à noite, o número é bem maior. Maioria rapazes saindo da adolescência. Eles freqüentam a turma antes ou depois de namorar. Há duas condições mínimas para alguém ter acesso ao grupo: ser refinado ou metido a refinado. E agressivo, como Noronha, do tipo que não leva desaforo para casa. Nesta noite planejam um ataque aos arquiinimigos do Clube Pinheiros, uma turma dominada por esportistas de pólo aquático. Gomalina, um dos líderes do Paulistano, é contra o plano. Com a chegada do melhor amigo, Noronha, seus argumentos são reforçados.

- Ô xará, querem atacar o Pinheiros. Não estou achando legal...

- Você está certo, Goma. O pessoal do pólo nada 5 mil metros só pra aquecer.

Eu não estou a fim de esforço esta noite, que está tão legal...

- Ainda se fosse contra os bundões do Harmonia, não é, xará?

- Você está sabendo da última?

- Os comunistas do Vietnã estão vencendo a guerra...

- Não brinca, xará!

- Os americanos já estão fugindo hoje de Saigon...

- Stop, Rolling Stones. Stop, Beatles sound. Rá-tá-tá-tá!

- 22 de abril de 1975. É uma data histórica, xará!

- Acabou o rá-tá-tá-tá, pessoal. Vamos festejar a paz no Hamburguinho.

Apenas três rapazes gostam da idéia. Pancho, Noronha e Gomalina pedem a especialidade da lanchonete: choco-lamour, um sorvete de chocolate, com pó de avelã e paçoca, bem caprichado. Noronha pede também um cheese-tártaro. Pancho, o mais baixo e gordo dos três, quer um cheese-salada, com muita maionese. Gomalina fica só no sorvete, já que tem pouco dinheiro.

- Ô, xará! Tentei arranjar mais grana, mas... Vou ficar te devendo essa - diz Noronha ao amigo Gomalina.

- Não tem nada, não. Essa dureza vai acabar. Papai vai ganhar uma causa contra o Fisco Federal. É uma nota preta.

O pai de Gomalina tem a concessão de uma linha de montagem de carros importados. A causa na Justiça é devida à apreensão de 58 automóveis Chrysler, que entraram no país ilegalmente. Ninguém sabe se o julgamento será favorável ou não ao pai de Gomalina. Mas o filho, que se define como hippie, embora use o cabelo à la Elvis Presley, topete à base de um creme brilhante, a gomalina, já sonha alto com os dois amigos.

- Fechado! Vou comprar uma fazenda, perto de um rio. E montar ali a maior comunidade hippie do mundo...

- E à noite a gente faz uma mesa enorme, todo mundo vestido de branco, de smoking branco. Todas as pessoas que a gente gosta vão morar na fazenda - diz Noronha.

- Nunca mais vocês deixarão de poder pagar um sanduíche ao amigo... nunca - Gomalina fala triunfante.

- Você me dá uma moto 750? Se você não der, nunca mais falo com você. Se não quiser dar, pelo menos me empresta o dinheiro? - pergunta Pancho.

- E o que mais a gente pode fazer com esse dinheiro? - questiona Noronha.

- Bancar o Robin Hood, fazer instituição de caridade, casa pra velhinho - responde Pancho.

Noronha vibra com a idéia e bate com a colher do sorvete no balcão, ao ritmo de Raul Seixas:

- Viva! Viva! Viva a sociedade alternativa!

A volta ao Paulistano tem um objetivo definido pela vontade de Pancho. Ele quer cobrar uma dívida de um rapaz da turma, Roberto Carvalho Veras, que sumiu desde a semana anterior quando perdeu várias apostas no jogo de crepe. Era um bom dinheiro, perto de 100 dólares. Pancho acha que levou um calote. Está revoltado, disposto a se vingar.

- Seguinte, de hoje não passa. Temos que aprontar uma contra esse cara. Noronha gosta da idéia.

- Sei onde ele mora, que tal?

Gomalina é cinco anos mais velho e suas opiniões são respeitadas pelo amigo, que já o admirou quase como a um ídolo. Desta vez, porém, a tentativa de convencer Noronha a desistir do plano não está dando certo. A adesão de João Augusto Junqueira, superamigo de Pancho, tornam as coisas ainda mais difíceis. Mas Gomalina insiste.

- Deixa isso pra lá. Eu vou passar em casa, arranjar um dinheiro e a gente vai comer qualquer coisa no Piolim...

- Fica na tua, xará. Esta parada é nossa. O My God pode te dar uma carona.

- Tudo bem. Mas eu acho que o Pancho tem que tirar esse sombreiro. Chama a atenção demais.

O carro já está com o motor funcionando e Pancho, sentado ao lado de Noronha, nem ouve o conselho de Gomalina. No banco de trás, Augusto Junqueira brinca, como se estivesse se preparando para o início de uma corrida automobilística:

- Sinal vermelho. Acelera. Acelera. Noronha na pole position! Amarelo. Atenção, vai dar a partida...

O relógio luminoso no alto de um prédio da avenida Paulista marca 02:34, quando Noronha faz o Fusca cantar os pneus, numa arrancada brusca, em direção à aventura.

Cinco minutos depois eles já estão em frente ao número 46 da rua José Clemente, a casa de Roberto Carvalho Veras. O alvo deles é um Puma que ocupa quase todo o pequeno quintal do sobrado sem garagem. Os três pulam o muro de 1 metro de altura, sem fazer barulho, e tentam abrir o carro. Um deles consegue. Entra com a cabeça e o peito pela janela do Puma e começa a forçar o painel para retirar o toca-fitas.

A rua está escura neste trecho. O céu nublado esconde a lua cheia. As lâmpadas de vapor de mercúrio, presas aos postes de concreto, estão encobertas pelas folhas das árvores. Na escuridão, a Veraneio cinzenta é quase invisível. Lanternas e faróis apagados, motor na marcha lenta, a Rota 13 se aproxima devagar, silenciosa. Quando os três rapazes perce , já é tarde demais.

Um comentário:

Anônimo disse...

fiquei de pau duro.....