sexta-feira, novembro 30, 2007

ARD Lenda viva e raivosa


Materia do correio Brasiliense 30/11/07

Pioneira na cena hardcore brasiliense, a banda ARD, do Gama, estréia em CD com Síndrome do emputecimento progressivo

Daniela Paiva
Da equipe do Correio

Em 20 anos de som, a banda ARD só fez crescer sua lista de motivos para revolta: punk na base

O número de itens que irritam o ARD não parece ter reduzido o tamanho da lista indignada nos mais de 20 anos de existência e 28 formações da banda do Gama. Tome como exemplo temas de Síndrome de emputecimento progressivo, gravado há três anos e que, finalmente, ganha vida nas lojas underground da cidade este mês. O mundo não ficou menos violento nem os jovens pararam de consumir drogas e modismos. E, pelo andar da desordem e do regresso do país, inspiração para novos discos não faltará.

“Penso o tempo todo em parar, mas isso só se justificaria se conseguíssemos mudanças na sociedade”, afirma o vocalista Gilmar Batista, 43 anos, o único remanescente da fase em que a banda batizou-se de Stuhlzäpfchen von n, que significa, em alemão, supositório nuclear. A nomenclatura curiosa, na verdade, escondia, logo no início, a tendência ao discurso social. “A gente surgiu com a ideologia punk. Não aceito o sistema do jeito que está.”

Segundo o grupo, Ataque às hordas do poder, split com B-sbh em vinil, gravado em 1986, foi o primeiro registro hardcore do Centro-Oeste. “As bandas da época tocavam de um jeito mais suave, Detrito Federal, Legião, Capital etc. A gente era hardcore, menino de rua que não tinha instrumento. Ensaiava na sala de casa com catálogo telefônico e tampa de panela como bateria.”

A sigla ARD (After Radioactive Destruction, ou seja, depois da destruição radioativa) passou a ser adotada a partir do split. Em 1988, saiu o primeiro LP, Causas para alarme. Cinco anos depois, lançaram o EP de sete polegadas My Brazil: better 4 than nothing e participaram de várias coletâneas. De acordo com a página da banda no MySpace (www.myspace.com/ardhc), até Jello Biafra, ex-vocalista do Dead Kennedys, enviou e-mail empolgado com o som dos brasilienses. No ano passado, saiu um tributo à banda pela Independência Records, com nomes locais como Kaos Klitoriano, Death Slam, DFC e Besthöven.

A demora para o primeiro CD surpreende pela trajetória reconhecida no underground. “As músicas quase caducaram”, admite Gilmar. Atualmente, o ARD conta com Vander Batista no baixo, Rafael Ciampi e Maurício Libardi nas guitarras e Juliano Lopes na bateria. As intempéries até o disco desembarcar em Brasília prontinho foram desde uma pane no estúdio, que quase pôs o trabalho a perder, até um desvio de rota. “A fábrica de Manaus mandou para São Paulo e não para cá. Era para ter saído em setembro.”

E o que deixa o ARD fulo da vida atualmente? “Com tanta evolução, parece que a gente está a um passo do primitivismo”, queixa-se Gilmar. “A gente não suporta o discurso imperialista, a falsa política do Brasil, a violência em todos os sentidos. Acho incrível o Brasil não ter política pública para a juventude e os meninos de rua.” Isso sem falar no meio ambiente, na guerra, no racismo, na corrupção… Se seguirmos com a lista, o jornal não chega à sua casa.

MANIFESTO INCONFORMISTA
Num mundo cada vez mais acostumado com desigualdades, atrocidades e alienação, o ARD faz manifesto e convocação com Síndrome do emputecimento progressivo. Fala de realidades que seguem despercebidas pela sociedade de olhos vendados, como o alto índice de suicídio no Shopping Pátio Brasil. Retrata o cenário triste e violento, mas, acima de tudo, transmite esperança. Lembra que é possível mudar. E esse talvez seja o grande mérito da lenda hardcore. A importância de uma banda como o ARD é inquestionável. O registro do seu inconformismo, mesmo que tecnicamente soe como rascunho, também.

SÍNDROME DO EMPUTECIMENTO PROGRESSIVO
Estréia em CD da banda brasiliense ARD. Produzido por ARD. 14 faixas. Lançamento Alea Records. Preço: R$ 15
. MySpace: www.myspace.com/ardhc ***

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