domingo, maio 25, 2008

O pai do novo ativismo


Texto retirado da Revista Trip Nº 35


Vou aproveitar o tema central desta TRIP para falar de um dos pais do novo ativismo. Ralph Nader. O fundador do movimento de defesa do consumidor apareceu no começo dos anos 60. Apesar de ele ser pouco conhecido no Brasil, sua história é mitológica nos EUA. Com 29 anos, recém-formado pela Princeton e Harvard, Nader foi de carona para Washington com uma verba diária que dava basicamente para uma cama no dormitório da YMCA e dois hot-dogs. Mesmo assim, ele teve energia para atacar e derrotar a maior empresa do mundo. Com uma ação judicial e um livro chamado Inseguro a Qualquer Velocidade, o advogado revelou pela primeira vez aos consumidores americanos que uma grande corporação como a General Motors estava mais preocupada em seduzi-los com design e promessas de desempenho do que em proteger suas vidas.

A primeira reação corporativa às denúncias impertinentes foi na linha "quem é este cupim idealista tentando roer nossos pés calejados?". A vida de Nader foi devassada pelos advogados da GM. Nada, absolutamente nada foi encontrado que pudesse desacreditá-lo. Pelo contrário, a investigação da GM acabou fortalecendo a imagem de Nader, que até hoje é o primeiro nas pesquisas americanas quando a pergunta é "quem é o homem mais honesto dos EUA?" Apesar de ter recebido um enorme atestado de bons antecedentes, o cupim idealista ainda teve a petulância de processar a corporação por invasão de privacidade. E o presidente da GM foi obrigado a comparecer na frente de uma comissão do Senado americano, com um imenso rabo entre as pernas, para admitir a má conduta da companhia e realizar o primeiro recall da história.

Com o dinheiro ganho no processo, Ralph Nader fundou o movimento de defesa do consumidor, baseado na colaboração obstinada de milhares de ativistas americanos. Os "Nader Raiders" foram decisivos na criação de leis fundamentais. O movimento atuou em áreas tão diversas quanto a segurança nas estradas, a poluição, a liberdade de informação e a normatização dos ingredientes do hot-dog, entre os quais, nos anos duros de YMCA, se incluíam alguns temperos exóticos, tipo pedaços de jornal e pêlos de porco.

VOTO INÚTIL
Já nos anos 90, Nader se candidatou duas vezes à presidência dos EUA, pelo Partido Verde. Na eleição passada, foi o candidato mais votado depois do Bush e do Gore, emba-lado pelo boca a boca e pelo mail a mail da internet, mesmo tendo uma ridícula fração do orçamento dos grandes partidos. Ele chegou a ter quase 10% das intenções, que, na reta final foram reduzidas a 3%, em função voto útil - ou inútil? - dado ao Partido Democrata.

Nader ainda foi levianamente acusado pela mídia séria dos EUA, o que inclui o New York Times e o Washington Post. Para esses jornais, Nader deveria ter renunciado a favor de Gore e não o fez apenas por vaidade. Eu poderia ficar só achando que ser acusado de vaidoso pela mídia é como ser acusado de ladrão pelo Lalau. Infelizmente, vejo aí o sintoma de algo mais sério, que é o fato de que a grande mídia sofre de uma esquizofrenia profunda em função de sua dupla natureza, de poder mediador e corporação econômica. E que, para sair de sua adolescência histórica, dá sinais cada vez mais claros de que está optando pela identidade empresarial.

Como a gente vive na era de Caras, é possível que você esteja pensando com seus botões "será que o colunista é parente do Ralph Nader?" e "será que é por isso que ele está se desintegrando em elogios?". A resposta é sim e não. Sim, ele é meu parente distante. E não, não é por algum tipo de nepotismo jornalístico que eu o elogio. Gente, só porque meu primo é o pai, eu não estou me achando o tio do neo-ativismo.


CIDADÃO, NÃO. CONSUMIDOR
Ralph Nader é um cara que me interessa faz tempo. Ele foi o primeiro a ver uma luz interessante através das frestas do emaranhado de relações legais que compõem o tecido da sociedade. Foi ele que percebeu que o nome do cidadão, nessa sociedade onde o poder econômico literalmente impera, é simplesmente "consumidor". E que é justamente daí que vem o seu poder. A postura pública do indivíduo deve ser sempre aquela de quem sustenta esse poder econômico e não a de quem depende dele. Com uma atitude assim, Nader fundou a nova esquerda antes de a velha entrar em colapso. Na verdade, ele transcendeu a polaridade entre a esquerda e a direita. Apesar de ter surgido nos anos 60, uma época em que o esquerdismo era uma idéia generalista e tota-lizante, a grande lição da atuação do Ralph Nader são o pragmatismo e a especificidade. Os ataques aos poderes do sistema não devem ser lançados por nenhum moralismo redentor, mas sim teleguiados pela inteligência prática e pela perseverança objetiva. É uma lição que vem sendo muito bem aplicada por todos os grupos neo-ativistas eficientes. E que não deve ser esquecida, sobretudo num país onde, à direita, a esperteza costuma corromper a moral e, à esquerda, a moral costuma corromper a esperteza.
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