domingo, junho 29, 2008

curta-metragem inspirado na morte do índio Galdino

Matéria retirada do Correio B. de hj 29 de junho 2008

Inconseqüência fatal


O brasiliense Bruno Torres dirige curta-metragem inspirado na morte do índio Galdino, provocada por cinco jovens da classe média em 1997

Pedro Brandt
Da equipe do Correio

Fotos: Edilson Rodrigues/CB/D.A Press






O dublê Zé Ricardo repetiu cinco vezes a cena do fogo: gel, ataduras e piscina infantil para apagar as chamas

A interdição de trecho da W3 Sul, na entrequadra 703/704, na noite de sábado, 21 de junho, deixou motoristas e transeuntes curiosos. A grande movimentação de pessoas e a presença de holofotes no local sugeriam a produção de uma filmagem. Mas, além dos policiais destacados para interditar a via, poucas foram as testemunhas da realização – já nas primeiras horas do domingo – da cena mais importante do curta-metragem A noite por testemunha: a morte do índio Galdino.

O episódio que chocou o Brasil em 1997 serve de mote para o novo trabalho do cineasta brasiliense Bruno Torres, 27 anos. O diretor explica que seu filme acompanha, paralelamente, as últimas horas de vida do índio e a saída noturna dos cinco amigos (anônimos no curta) que tocaram fogo no pataxó. Torres salienta que mesmo reconstituindo um caso verídico e local, seu objetivo é abordar assuntos universais. “Quero falar sobre culpa e inconseqüência”, adianta.

A violência já estava presente no primeiro curta do cineasta, O último raio de sol – no qual dois jovens nascidos em berço de ouro saem de casa armados, dão carona para um homem pobre e resolvem atormentá-lo com ofensas e ameaças. “Para aquele filme, pesquisei muito o assunto – esse poder exercido por jovens de classe média contra pessoas de classes menos favorecidas”, lembra.

Sobre o caso Galdino, o diretor comenta que, na época, se sentiu indignado com os envolvidos no episódio. “Hoje, depois de ter acesso a laudos, relatos e depoimentos, já acredito que, apesar do que eles fizeram, não tinham a intenção de matá-lo”, reflete. “Será que eles pensaram que poderiam matá-lo? Ou foi só uma brincadeira que fugiu do limite? Fiquei muito ressentido quando aquilo tudo aconteceu – justamente no Dia do Índio. Depois de entrar no papel, já consigo ver um outro lado”, avalia Alessandro Brandão, 35 anos, que vive, no curta, o jovem que joga o fósforo em Galdino. “Na primeira vez que rodamos a cena do fogo, tomei um susto quando as chamas subiram. Acho que só quando isso aconteceu, eles (os envolvidos) tiveram noção do que estavam fazendo”, continua o ator.

A equipe majoritariamente brasiliense de A noite como testemunha conta com duas participações essenciais de fora da cidade: o maquiador carioca Vavá Torres e o ator manauara Fidélis Baniwa. O primeiro é profissional com mais de três décadas de atuação na televisão, cinema, teatro e desfiles de escolas de samba. O segundo tem no currículo diversas montagens teatrais em sua cidade e papéis em produções da tevê (Sítio do pica-pau amarelo, Mad Maria) e foi o escolhido para interpretar Galdino. “Passamos o maior perrengue para encontrar quem faria o papel. Originalmente, queríamos um índio não-ator, mas muitos disseram que nem passariam na frente daquela parada de ônibus. A família do Galdino, que teve acesso ao projeto, também não concordou que um terena fizesse o papel, o que limitou ainda mais a nossa busca. O Fidélis foi uma ótima escolha porque, além de se parecer com o Galdino, é ator. Explicar todo esse circo que é a produção de um filme para um índio não-ator poderia ser muito complicado”, relata Bruno Torres. “Sou militante da causa indígena e topei fazer o filme porque é uma história importante de ser contada. Os índios, depois de tudo que passaram, continuam sofrendo”, comenta Baniwa.

Para fazer a cena na qual Galdino tem o corpo em chamas, a produção do curta contou com a experiência do dublê Zé Ricardo – conhecido na cidade tanto pelas atuações em filmes, como pelo treinamento de policiais. Em cenas desse tipo, os dublês vestem roupas preparadas para evitar o contato das chamas com o corpo. Em A noite por testemunha, no entanto, Zé precisaria estar vestido com os mesmos trajes de Fidélis, o que limitaria o uso de roupas protetoras.

A solução foi espalhar um gel especial (o stuntgel) pelo corpo e usar ataduras que oferecessem o mínimo de proteção. O gel dá ao corpo a sensação térmica de -3º – o fogo, por sua vez, eleva a sensação para 60º. “De repente, levo uma pneumonia para casa”, brincou o dublê.

A cena foi repetida cinco vezes. Em cada uma, Zé tinha até 15 segundos para se jogar em uma piscina de criança para apagar o fogo. Por mais impressionante que fosse a cena, a ordem do diretor era para que ninguém desse um pio. “Foi chocante ver uma pessoa em chamas. Deu um grande realismo à cena”, observou a figurinista Ana Carolina Viana, 26 anos. “Repetiria a cena mais uma vez, mas parei porque o Zé estava muito desgastado”, conta Bruno Torres.

O diretor ainda não sabe quando o curta ficará pronto. De qualquer jeito, não pretende inscrevê-lo no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro – uma das principais plataformas para os realizadores da cidade. “Para o festival de Brasília quero inscrever outro curta, Pequena paisagem do meu jardim, que estou fazendo com Alessandro Brandão. Pretendo levar A noite por testemunha para um festival ainda maior.”

Um comentário:

Anônimo disse...

Como 5 jovens, todos conscientes de seus atos compram dois litros, digo 2 LITROS de alcool, para "brincar" de tocar fogo em alguém, alegam não saber que isso poderia sequer lesionar a vítima?